sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
Inspeção do governo federal comprova violação de direitos humanos em presídio de SC
Uma inspeção realizada pelo governo federal no presídio de São Pedro de
Alcântara, na região metropolitana de Florianópolis, detectou nesta
terça-feira (20) que a unidade tem condições precárias de higiene, saúde
e alimentação dos presos e também que foi palco de agressão a pelo
menos 70 deles neste mês.
O presídio, o principal do Estado, abriga presos suspeitos de comandar a
onda de ataques a ônibus do transporte coletivo e a bases da Polícia
Militar e de guardas civis em 17 cidades, desde o último dia 12.
De acordo com o coordenador da inspeção, que levou seis horas, o
ouvidor-geral da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, Bruno
Renato Teixeira, a unidade tem "problemas graves" de saúde, alimentação,
falta de acesso a água, trabalho e assistência jurídica dos presos,
além de estar superlotada –cerca de 1.200 detentos --e com uma
quantidade de agentes penitenciários considerada aquém do necessário:
oito. Para o corregedor-geral de Justiça de Santa Catarina, Alexandre
Takashima, que participou da inspeção, seriam necessários ali "no mínimo
16 agentes".
Ouvidor da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da
República, Bruno Renato Teixeira (esq.), antes da realização da inspecão
na penitenciária de São Pedro de Alcântara, localizada na região
metropolitana de Florianópolis, após suspeita de atos de torturas antes
dos ataques na cidade. "É uma falta de humanidade o que acontece lá
dentro. Vi meu filho baleado demorar mais de uma semana para ter
atendimento médico. A gente não quer amor e carinho, mas respeito
--esses ataques foram o grito de socorro dos presos. Foram um alerta",
disse, Leda Metzker, mãe de um detento...
As secretarias estaduais de Segurança Pública e de Justiça apuram se um
suposto motim em São Pedro de Alcântara teria sido reprimido
violentamente no último dia 7, cinco dias antes dos primeiros ataques em
Florianópolis.
Para o ouvidor-geral da SDH, a presença de presos machucados, marcas de
tiros de borracha nas celas e balas de borracha guardadas pelos
próprios presos após a ação comprovaram, hoje, ter havido maus tratos no
presídio. O ex-diretor Carlos Alves pediu afastamento da função neste
mês. A mulher dele, que era agente penitenciária, fora assassinada em
outubro passado.
“Confirmou-se que 70 presos foram agredidos [até ontem, falava-se em
69], após exames no IML (Instituto Médico legal). Pelo que nos
relataram, agentes teriam agido em retaliação ao ocorrido [o assassinato
da agente Deise Alves, mulher do ex-diretor] e entrado nas celas
atirando; já os agentes nos afirmam que tentaram conter o que seria um
motim”, disse Teixeira, que completou: “Vamos monitorar com o TJ o
resultado dessas investigações --tanto dos maus tratos, quanto do
assassinato da agente”, definiu.
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Segundo o ouvidor, nas próximas semanas serão feitas inspeções
semelhantes em presídios de Porto Alegre, Recife, Salvador e São Luís.
Indagado se as condições em São Pedro de Alcântara são condizentes com a
declaração do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) –que, semana
passada, disse que "preferia morrer" a ficar em um presídio brasileiro
--, Teixeira esquivou-se: "Entendemos que a situação nos presídios é
grave, que eles não têm o formato de atendimento mais adequado, mas não
seria prudente comentar a frase dele", encerrou.
Para corregedor do TJ, condições em presídio ajudam a explicar onda de ataques
Já o corregedor de Justiça do Estado informou que pedirá à Secretaria
de Justiça do Estado e ao Departamento de Administração Prisional (Deap)
a adoção urgente de medidas que corrijam ou sanem as irregularidades
encontradas na inspeção.
“Os presos reclamam que estão há muito tempo sem visitas e sem
assistência jurídica; paralelamente, o ideal seria ter ali no mínimo 16
agentes. São oito, apenas, e de uma categoria que está em
operação-padrão [iniciada ontem, veta visitas de familiares e advogados
até que se decida, na quinta, se haverá greve]”, afirmou Takashima. “É
uma situação bem delicada; é quase inviável. Talvez até haja relação
entre a precariedade do presídio e os ataques lá fora, isso não está
descartado”.
Ainda conforme o corregedor, a investigação sobre as agressões na
unidade terão de considerar também a demora no atendimento aos presos
feridos. Depois das agressões, o caso só foi divulgado após uma inspeção
da força-tarefa composta por Ministério Público, Vara de Execuções
Penais e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ir ao local no último dia
13. “A ideia é saber se houve negligência ou dolo nessa demora”,
completou.
Entre falta de água potável, de alimento, de atendimento e de
instalações em boas condições, além da presença de presos feridos, o que
mais chamou a atenção? "O que mais me chocou foi o silêncio lá dentro,
ao ponto de ouvirmos, em uma ala, uma porta se fechando em outra, mais
distante. Quero crer que foi um silêncio excessivo em respeito ao
ouvidor. Quero crer", respondeu Takashima.
Outro lado
A reportagem tentou contato com a secretária estadual de Justiça, Ada
De Luca, mas foi informada pela assessoria de imprensa que a chefe da
pasta só se manifestará depois de receber oficialmente o resultado da
inspeção, o que ainda não ocorreu.