sexta-feira, 19 de abril de 2013
A segurança com a qual sonhamos
O sistema de segurança e justiça no Brasil permanece profundamente
marcado por uma noção de controle social voltada basicamente para a
criminalização das populações pobres e negras, em particular dos jovens
meninos e adolescentes residentes nas favelas e periferias de nossas
cidades. Para esses jovens, o encontro com o agente de segurança quase
sempre resulta em violência e, muitas vezes, em morte.
Os dados de homicídios provocados por policiais no Brasil se
encontram entre os mais altos do mundo. A superação desse estado de
coisas e a promoção de uma reforma profunda no sistema de segurança
brasileiro permanece como uma das tarefas inacabadas da transição
democrática.
O déficit de confiança existente entre as policias e as populações
das favelas corroem a legitimidade do estado e precisa ser enfrentado em
toda a sua complexidade, se queremos dar um salto de qualidade no
sentido da construção de uma política de segurança que seja expressão de
um pacto efetivo para a realização de direitos e não instrumento de sua
violação. Para isso é essencial a plena participação dos moradores e um
diálogo amplo com o restante da cidade.
A ocorrência cada vez mais frequente de conflitos e mortes nas
favelas ocupadas pela polícia tem deixado bem claro que a janela de
oportunidade aberta com a experiência das Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) começa a se fechar muito rapidamente. As práticas
policiais nas favelas “pacificadas” não estão conseguindo superar um
conceito original de “ocupação” profundamente marcado por uma concepção
de cidade que não inclui a favela como parte de uma comunidade de
direitos a serem compartilhados integralmente por todas as pessoas que
nela residem, sem exceção.
O que temos visto é a persistência de uma narrativa de guerra que
demarca os territórios de favelas como espaços a serem retomados de um
exército inimigo (o tráfico), ocupados pela polícia e pacificados. As
populações seriam, nessa versão, expectadores passivos desse esforço
“liberador”, testemunhas “bestializadas” da história, como se disse uma
vez do povo em relação a Proclamação da República.
A perspectiva de instalação, em breve, de uma UPP no Complexo da Maré
deu origem a parceria inovadora entre a Redes da Maré, o Observatório
de Favelas e a Anistia Internacional, com o objetivo principal de
garantir o protagonismo dos cidadãos e cidadãs residentes naquele
território na garantia de seu direito fundamental à segurança pública. A
campanha “Somos da Maré e Temos Direitos” é um resultado importante
nessa colaboração e deu prosseguimento a um processo de reflexão que já
vinha em curso sobre o papel da cidadania ativa, especialmente das
populações de favelas, na construção de uma política de segurança
consistente com os princípios fundamentais dos direitos humanos.
É preciso aproveitar o momento atual para ampliar a conversação sobre
a segurança pública com a qual sonhamos para o Brasil e para o Rio de
Janeiro. As favelas não constituem territórios de “exceção” de direitos,
onde tudo é permitido em nome da “pacificação”. As pessoas que ali
vivem exigem ser protagonistas plenos de um projeto de cidade que tenha a
segurança pública como um direito fundamental de todas as pessoas, sem
distinção do lugar onde residem. Um sistema de segurança pública que
provoque orgulho nos profissionais que nele atuam e confiança nos
cidadãos e cidadãs que dele se beneficiam.