quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Criminalização dos protestos e violência policial no Brasil ameaçam princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito
A Anistia Internacional vê com grande preocupação a
crescente criminalização dos protestos e de seus manifestantes no
país. Fatos recentes sugerem a intenção por parte das autoridades
públicas de utilizarem diversos tipos penais severos e que não se
aplicam no contexto de protestos populares como forma de criminalizar e
inibir os manifestantes.
Em São Paulo, no início de outubro, um casal que
participava de uma manifestação foi preso e enquadrado na Lei de
Segurança Nacional, de caráter repressivo e aprovada durante a ditadura
militar, sob a suposta acusação de vandalismo.
No Rio de Janeiro, a repressão e a criminalização
dos manifestantes têm ficado mais evidente. Desde junho de 2013, a
violência e arbitrariedade policial, assim como as tentativas de
criminalização dos manifestantes pela polícia civil e militar
fluminense, tem se intensificado. Há evidências da realização de prisões
ilegais ou com base em flagrantes forjados pelos próprios policiais.
No protesto do último dia 15 de outubro, no Rio de
Janeiro, dezenas de pessoas foram detidas de forma arbitrária e
encaminhadas para delegacias de polícia. A polícia utilizou alguns
ônibus para levar de forma aleatória pessoas que ocupavam pacificamente a
Câmara Municipal ou estavam nas imediações do Teatro Municipal para as
delegacias, onde ficaram detidas por toda a noite. Cerca de 80 acabaram
presas e indiciadas, incluindo adolescentes, em diversos crimes como
formação de quadrilha, dano ao patrimônio público, incêndio e corrupção
de menores.
A polícia civil tem enquadrado a maioria dos
manifestantes no crime de formação de quadrilha e começa a aplicar
recente Lei sobre Organizações Criminosas (Lei 12850 de 02/08/2013) que
prevê penas de 3 a 8 anos de reclusão. Segundo a Lei considera-se “organização
criminosa a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem
de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas
máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter
transnacional”. Essa lei seria aplicada em casos que incluem crimes
relacionados a organizações terroristas internacionais e, assim como a
Lei de Segurança Nacional, não deveria ser utilizada nos contextos de
protestos e manifestações.
Muitos dos manifestantes presos relatam que
sofreram terror psicológico e ameaças, sendo que alguns foram levados
para o presídio de segurança máxima de Bangu. Passados alguns dias do
protesto, a maior parte dos presos foi liberada e alguns tiveram o
indiciamento desqualificado pelo poder judiciário, em um claro
indicativo da natureza arbitrária dessas prisões.
Estas práticas das forças de segurança tem violado o inciso LXI, do artigo 5º da Constituição Federal, que determina que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”, assim como o artigo 9º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
A Anistia Internacional clama para que o Estado
brasileiro, em especial o governo do estado do Rio de Janeiro, respeite
os direitos dos cidadãos de protestarem e se manifestarem pacificamente,
assim como, interrompa as prisões arbitrárias e o processo de
criminalização desses manifestantes, que tem se dado em clara violação à
Constituição Federal, colocando em risco os princípios fundamentais do
Estado Democrático de Direito.