quinta-feira, 19 de março de 2015
Assassinatos cometidos pela polícia no Brasil: ‘Eu paguei a bala que matou meu neto’.
Quando Natanael, 17 anos, não
voltou para casa, no bairro do Cabula, em Salvador, sua avó Marina Lima, não se
preocupou muito. Pensou que ele estivesse com a namorada.
Mas, na manhã seguinte, quando um
vizinho bateu à sua porta para entregar o boné do menino, ela percebeu que o
pior poderia ter acontecido.
Marina confrontou-se com o seu
maior pesadelo: no necrotério, ela viu o corpo de Natanael, cheio de ferimentos
de bala, o pescoço e o braço quebrados.
O adolescente foi um dos 12
homens mortos por policiais militares, há seis semanas, no dia 6 de fevereiro.
De acordo com a versão oficial
dos acontecimentos, os homens estavam planejando roubar um banco e os policiais
revidaram como autodefesa.
Mas a falta de uma investigação
adequada e vários relatos de testemunhas sugerem algo muito diferente.
“Eu paguei a bala que matou o meu
neto”, disse Marina.
O trágico acontecimento deveria
ter chocado todo o Brasil. Mas isso não aconteceu.
Em vez disso, o Governador da
Bahia, Rui Costa, enviou uma mensagem para os policiais elogiando o seu
trabalho “heroico”:
“É como um artilheiro em frente
ao gol que tem que decidir em alguns segundos como é que ele tenta botar a bola
para dentro do gol e fazer o gol. Depois que a jogada termina, todos os
torcedores da arquibancada, se foi feito o gol, vão batem palma e dizer que foi
um golaço e vai repetir várias vezes na televisão. Se o gol foi perdido, o
artilheiro vai ser condenado porque se tivesse chutado desse jeito ou daquele
jeito a bola teria entrado”, disse o governador após o ocorrido.
A comparação mal concebida de uma
chacina com um emocionante jogo de futebol é uma triste imagem dos problemas de
segurança pública ainda vivenciados no Brasil – onde em maioria pobres, jovens
e negros pagam o preço das ações de uma violenta, militarizada e despreparada
força policial, que permanece impune há tempos.
Cheguei em Cabula, poucos dias
depois dos homicídios e fui confrontado com uma estranha mistura de horror,
medo e provocação. As ruas, com dezenas de pequenas lojas, escolas, bancos e
uma universidade estavam cheias.
Os parentes dos 12 homens que
foram mortos pela polícia estavam tão assustados que nem sequer me disseram
seus nomes. Eles se sentiam tristes, indignados e intimidados, mas também com
medo do que a polícia poderia fazer caso eles falassem.
Tendo documentado e testemunhado
ações semelhantes da polícia em todo o Brasil, eu, infelizmente, não me
surpreendi com o que eu estava ouvindo. A polícia no Brasil mata e morre em
números elevados, como consequência direta d e uma suposta guerra contra as
drogas que acaba criminalizando os pobres e brutalizando a força policial.
De acordo com números oficiais do
Anuário de Segurança Pública 2014, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, pelo menos, seis pessoas são mortas por policiais no Brasil a cada
dia. Por mais chocante que seja, este número é provavelmente subestimado, já
que a maioria dos estados do país preferem manter esses números alarmantes
longe da atenção do público.
Até reclamar das ações brutais da
polícia pode ser extremamente arriscado, como percebi quando participei de uma
manifestação de membros da comunidade e organizações da sociedade civil de
Salvador, organizada pela Campanha Reaja ou Será Morto/a, que estavam marchando
pacificamente para exigir justiça.
Durante a manifestação, fomos
seguidos por um policial em uma motocicleta que em dado momento parou ao meu
lado e me perguntou o que eu estava fazendo ali. Defensores de direitos humanos
são frequentemente perseguidos e intimidados, e mesmo quando nós relatamos mais
tarde o incidente à polícia, ninguém tomou qualquer providência.
Após o protesto, eu visitei o
local onde os assassinatos tinham acontecido cinco dias antes. O que eu vi foi
chocante. A cena do crime não foi preservada: luvas de plástico, bem como a
roupa dos jovens mortos e pertences ainda estavam espalhados. Havia ainda
cartuchos de balas pelo chão.
Os apelos dos familiares por
justiça finalmente começaram a ser ouvidos e as autoridades do Estado disseram
que as mortes estão sendo investigadas.
Mas já ouvimos isso muitas vezes,
e pouco foi feito.
Em média, os autores de
homicídios são levados à justiça em apenas 5 a 8% dos casos. Isto significa
que, na esmagadora maioria das vezes, os responsáveis nunca são investigados ou
responsabilizados, alimentando o ciclo de violência e impunidade.
No caso do Cabula, os policiais
que puxaram o gatilho ainda estão trabalhando lado-a-lado com uma comunidade
que vive em clima de puro terror, querendo saber quem será a próxima vítima. As
autoridades deveriam prontamente conduzir uma investigação completa,
independente e imparcial sobre o incidente e afastar os suspeitos até que a
investigação seja concluída.
Quanto tempo ainda vamos levar
para que as autoridades brasileiras acordem para este tipo de horror e façam
alguma coisa de verdade? As vidas de milhares de pessoas – a maioria delas
jovens negros – estão em risco.