quarta-feira, 1 de junho de 2016
Brasil: a cada 6 horas uma mulher é assassinada por um agressor conhecido, alerta ONU Mulheres
“Instamos as autoridades a
empenhar todo o peso da lei contra os agressores e proteger a dignidade das
vítimas”, disse a diretora regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe,
Luiza Carvalho, que assina nota da agência sobre estupros coletivos ocorridos
no Brasil.
A diretora regional da ONU
Mulheres para Américas e Caribe, Luiza Carvalho, assinou uma nota da agência
comentando os casos recentes de estupros coletivos ocorridos no Brasil.
“Nenhuma forma de violência
contra as mulheres e meninas pode ser aceita: pelo fim da cultura de tolerância
com a violência contra as mulheres. Pelo fim da impunidade”, destacou ela no
comunicado divulgado neste domingo (29).
“Proteger a vida de mulheres e
meninas é uma responsabilidade de toda a sociedade”, acrescenta a nota.
O escritório regional da ONU
Mulheres ressaltou que a tolerância social da violência contra as mulheres e
meninas é “sistemática” e inclui violência física, psicológica e econômica,
ocorrendo tanto nos espaços públicos como nos privados.
Confira a nota na íntegra:
“A Oficina Regional da ONU
Mulheres para Américas e Caribe se une ao repúdio do atroz caso de estupro
perpetrado por 30 homens contra uma adolescente no Rio de Janeiro, Brasil. Além
da brutalidade com que o crime foi cometido, a degradação contra a vítima foi
acentuada por imagens e gravações publicadas na internet sobre este ato
condenável.
Preocupa, ainda, outro estupro
coletivo registrado em Bom Jesus, estado do Piauí, onde outra adolescente foi
vítima de violação por parte de cinco homens, cujo crime segue em investigação.
Esses acontecimentos têm
causado a mais forte rejeição e comoção na comunidade internacional. Diversas
entidades públicas, organizações da sociedade civil, agências do Sistema das
Nações Unidas, meios de comunicação social, assim como personalidades dos
âmbitos artístico e cultural se pronunciaram com contundência.
Deste Escritório Regional,
somamos a nossa voz para a enérgica condenação e instamos as autoridades
competentes a empenhar todo o peso da lei contra os agressores e a proteger a
intimidade e a dignidade das vítimas.
A tolerância social da
violência contra as mulheres e meninas é sistemática e vai desde a violência
física, psicológica, econômica e acontece tanto nos espaços públicos como nos
privados. A violência se mantém durante desastres naturais e conflitos armados
e permanece para sempre na vida de homens e mulheres e com consequências
nefastas para toda a sociedade. Dados da OPAS [Organização Pan-Americana da
Saúde] relevam que:
A iniciação sexual forçada e
não desejada acontece desde cedo na vida de muitas meninas na América Latina e
Caribe:
Proporções expressivas de
mulheres jovens, em todas as pesquisas, informaram que a sua primeira relação
sexual havia sido forçada. Os esposos, companheiros, namorados e outros
parceiros eram os agressores informados com maior frequência nas pesquisas com
tais indicadores.
A exposição à violência na
infância aumenta o risco de outras formas de violência em etapas posteriores da
vida e tem importantes efeitos intergeracionais negativos:
A exposição à violência na
infância pode ter efeitos de longo prazo e intergeracionais. A prevalência da
violência por parte do esposo/companheiro era significativamente maior (em
geral umas duas vezes maior) entre as mulheres que informaram ter sido
maltratadas fisicamente na infância na comparação com aquelas que não tinham
passado por tais violências na infância.
A proporção de mulheres que
informaram que seu pai (ou padrasto) agredia a sua mãe (ou madrasta) variava
amplamente segundo o país, entre a oitava parte (12,6 %) no Haiti, em 2005/6, e
quase a metade (48,3 %) na Bolívia, em 2003. Em sete de 13 países, a quarta
parte ou mais das mulheres informaram exposição a algum tipo de violência
doméstica.
A impunidade frente aos crimes
cometidos contra as mulheres e as meninas e a alta tolerância social com a
violência contra elas posicionaram a América Latina e Caribe como a região com
mais assassinatos de mulheres. De acordo com a Convenção de Genebra, no seu
relatório de 2011, dos 2,5 países com mais altas taxas de feminicídio, 14, mais
de 50%, estão na América Latina e Caribe. Calcula-se que, no Brasil, a cada 6
horas uma mulher é assassinada por um agressor conhecido.
Na Colômbia, a cada 6 dias,
uma mulher é assassinada pelas mãos de seu companheiro ou ex-companheiro. No
México, um recente estudo sobre as tendências dos últimos 25 anos do Instituto
Nacional das Mulheres e ONU Mulheres demonstra que, mesmo com reduções das
taxas de assassinatos de mulheres, segue, de maneira preponderante, os crimes
cometidos por companheiro e ex-companheiro.
Para muitas pessoas, as
reivindicações das mulheres, nos últimos anos, significam que estas violações
sistemáticas dos direitos humanos são coisa do passado. Mas lembremos que, em
âmbito mundial, 35% dos assassinatos de mulheres são cometidos por parceiro,
comparado com 5% para os homens de acordo com estudos preliminares da
Organização Mundial da Saúde. Esses cálculos devem ser vistos como modestos
porque não há informação comparável entre os países, o que alimenta a cultura
da impunidade.
Como explicou a relatora
especial das Nações Unidas para Eliminação da Violência contra as Mulheres,
suas causas e consequências, os assassinatos de mulheres relacionados com
gênero, mais do que uma nova forma de violência, constituem a manifestação
extrema das formas de violência que existem contra a mulher. Não se trata de
incidentes isolados que ocorram de maneira repentina e imprevisto. São os
últimos atos de violência que acontecem numa violência contínua.
Ao ver de maneira sistemática
a violência que acontece no Brasil e no resto da América Latina, não podemos deixar
de ver as correlações entre os crimes cometidos contra as mulheres pelo fato de
serem mulheres, incluindo o estupro, com altas taxas de feminicídio em âmbito
nacional e regional.
Portanto, fazemos um chamado
para garantir o devido acesso aos serviços de atenção e proteção às vítimas,
assegurando que incorporem a devida perspectiva de gênero e preservem a
segurança, a dignidade e a privacidade das vítimas, evitando expô-las novamente
a situações de risco e revitimização.
Assim, convidamos para uma reflexão
profunda e urgente sobre a cultura da impunidade e tolerância a essas
agressões, dos valores culturais e modelos negativos de masculinidade que estão
por trás desses atos, que reproduzem e garantem condutas de agressão, dominação
e violência contra mulheres e meninas.