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sexta-feira, 20 de março de 2015

Relatório Anual 2015

BRASIL
República Federativa do Brasil
Chefe de Estado e de Governo: Presidente Dilma Rousseff
Graves violações dos direitos humanos continuaram a ser denunciadas, incluindo homicídios por parte da polícia e a tortura e outros maus tratos a detidos. Jovens negros residentes nas favelas (bairros da lata), trabalhadores rurais e povos indígenas correram um risco particular de sofrer violações dos direitos humanos. As manifestações que trespassaram o país, particularmente por ocasião do Campeonato do Mundo de Futebol, foram frequentemente reprimidas com recurso a uso excessivo e desnecessário da força por parte das forças de segurança. Detenções arbitrárias e tentativas de criminalizar manifestantes pacíficos foram denunciadas em várias zonas do país. Não obstante ter sido aprovada legislação que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pessoas lésbicas, gay, bissexuais, transsexuais e intersexuais (LGBTI) continuam a ser alvo de discriminação e de ataques. O Brasil continua a desempenhar um importante papel no plano internacional em questões como a privacidade, a internet e a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género. Verificaram-se alguns progressos no combate à impunidade face a graves violações dos direitos humanos registadas durante a ditadura (1964-1985).

ANTECEDENTES
O Brasil continuou a cumprir o seu terceiro mandato no Conselho de Direitos Humanos da ONU, onde foi um apoiante fundamental de resoluções contra a discriminação com base na orientação sexual e identidade de género. Na Assembleia Geral da ONU, os Governos brasileiro e alemão apresentaram uma proposta de resolução acerca da privacidade na era da internet, que foi aprovada em dezembro de 2013. Em abril de 2014, o Brasil aprovou o seu Marco Civil da Internet, garantindo a neutralidade da rede e estabelecendo regras para proteger a liberdade de expressão e a privacidade.
VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DOS PROTESTOS SOCIAIS
Em 2014, milhares de manifestantes saíram às ruas no período que antecedeu o Campeonato do Mundo de Futebol e no seu decurso, em junho e julho. Os protestos espelharam as enormes manifestações registadas no ano anterior, para expressar o descontentamento social face a uma diversidade de questões, incluindo o aumento do custo dos transportes públicos, os elevados investimentos canalizados para a organização de grandes eventos desportivos internacionais e o insuficiente investimento nos serviços públicos. A polícia reagiu frequentemente às manifestações com violência. Centenas de pessoas foram cercadas e detidas arbitrariamente, algumas ao abrigo de leis de combate ao crime organizado, ainda que não existissem indícios de que os detidos em causa estivessem envolvidos em atividades criminosas.1
Em abril, antes do início do Campeonato do Mundo de Futebol, soldados do exército e fuzileiros foram mobilizados para o complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro. Inicialmente, estava previsto que aí se manteriam até finais de julho, mas as autoridades acabaram por declarar posteriormente que a sua presença se prolongaria por tempo indefinido. Esta situação levantou sérias preocupações, considerando a fragilidade dos mecanismos de responsabilização pelos abusos dos direitos humanos durante as operações militares.
Pelo final do ano, a única pessoa condenada por crimes relacionados com a violência no decurso das manifestações foi Rafael Braga Vieira, um jovem negro sem-abrigo. Apesar de não ter participado em qualquer manifestação, foi preso por “possuir artefacto explosivo ou incendiário sem autorização” e condenado a cinco anos de prisão. O relatório forense concluiu que os químicos na sua posse — detergentes líquidos — não poderiam ser usados no fabrico de explosivos, mas o tribunal não considerou essa constatação.
USO EXCESSIVO DA FORÇA
A polícia militar recorreu frequentemente a um uso excessivo da força para dispersar manifestantes.2
No Rio de Janeiro, a polícia militar usou gás lacrimogéneo para dispersar manifestantes pacíficos em diversas ocasiões, incluindo em espaços fechados, tal como sucedeu na Casa de Saúde Pinheiro Machado, em julho de 2013, e em estações do metro, em junho e setembro de 2013 e em junho de 2014.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E REUNIÃO — JORNALISTAS
De acordo com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, pelo menos 18 jornalistas foram atacados no exercício da sua atividade no decurso do Campeonato do Mundo de Futebol, em cidades como São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Fortaleza. No Rio de Janeiro, a 13 de julho, o dia da final do Campeonato do Mundo, pelo menos 15 jornalistas foram atacados por agentes da polícia enquanto cobriam uma manifestação. Alguns viram os seus equipamentos danificados. Em fevereiro, Santiago (Ilídio) Andrade, operador de câmara, morreu depois de ter sido atingido por fogo-de-artifício usado pelos manifestantes. A polícia deteve dois homens implicados na sua morte. Foram acusados de homicídio com dolo e, no final do ano, aguardavam julgamento.
SEGURANÇA PÚBLICA
A segurança pública permaneceu um contexto para generalizadas violações dos direitos humanos.
De acordo com as estatísticas oficiais, 424 pessoas foram mortas pela polícia no estado do Rio de Janeiro no decurso de operações de segurança durante o ano de 2013. Nos primeiros seis meses de 2014, 285 pessoas foram mortas pela polícia, registando um aumento de 37% face ao período homólogo de 2013.
Claudia Silva Ferreira foi alvejada e ferida por polícias num tiroteio que teve lugar, em março, na favela do Morro da Congonha. Enquanto a polícia a transportava para o hospital, instalada na traseira da viatura policial, caiu do veículo e foi arrastada durante 350 metros. O incidente foi gravado e transmitido pelos meios de comunicação brasileiros. No final do ano, seis polícias estavam sob investigação, ainda que permanecessem em liberdade.
Douglas Rafael da Silva Pereira, bailarino, foi encontrado morto em abril de 2014 na sequência de uma operação policial na favela do Pavão-Pavãozinho. A morte desencadeou uma série de protestos, durante as quais Edilson Silva dos Santos foi fatalmente alvejado pela polícia. Pelo final do ano, ninguém tinha sido acusado formalmente por estas mortes.
Em novembro, pelo menos dez pessoas foram mortas, alegadamente por agentes da polícia militar fora de serviço, na cidade de Belém, no estado do Pará. Os moradores do bairro relataram à Amnistia Internacional que viaturas da polícia militar tinham fechado as ruas algum tempo antes das mortes e que pessoas em automóveis e motociclos não identificados ameaçaram e atacaram residentes.3 Existem indícios de que as mortes poderão ter sido uma represália pela morte de um polícia.
Dez polícias, incluindo o ex-comandante de um batalhão, foram julgados entre dezembro de 2012 e abril de 2014, e condenados pelo homicídio da juíza Patrícia Acioli, em agosto de 2011. A juíza tinha sido responsável pela condenação de 60 agentes acusados de envolvimento em atividades de crime organizado.
CONDIÇÕES PRISIONAIS
A sobrelotação extrema, as condições degradantes, a tortura e a violência permaneceram problemas endémicos nas prisões brasileiras. Diversos casos relativos a condições prisionais foram submetidos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos nos últimos anos, e continuam a levantar grandes preocupações.
Em 2013, 60 reclusos foram assassinados na prisão de Pedrinhas, no Estado do Maranhão. Nessa prisão, mais de 18 reclusos foram mortos entre janeiro e outubro de 2014. Vídeos de decapitações foram transmitidos pelos meios de comunicação. Pelo final do ano, a investigação sobre o incidente continuava em curso.
Entre abril de 2013 e abril de 2014, os tribunais condenaram 75 agentes policiais pela morte de 111 prisioneiros no decurso dos motins de 1992 na prisão de Carandiru. Os agentes interpuseram recurso e permaneciam ao serviço no final do ano. O comandante da operação policial tinha sido condenado em 2001, ainda que a decisão tenha sido anulada; foi assassinado pela sua namorada em 2006. O diretor da prisão e o secretário nacional da Segurança Pública quando dos motins não foram judicialmente indiciados neste caso.
TORTURA E OUTROS MAUS TRATOS
Registaram-se diversas denúncias de tortura e de outros maus tratos no momento da detenção e durante os interrogatórios e detenções em esquadras policiais.
Em julho de 2013, Amarildo de Souza, pedreiro de profissão, foi detido pela polícia quando regressava a casa, na favela da Rocinha, Rio de Janeiro. Morreu na sequência de tortura quando se encontrava sob custódia da Unidade de Polícia Pacificadora. A polícia negou que Amarildo de Souza tenha estado sob custódia, não obstante existirem filmagens que comprovam a sua detenção. Vinte e cinco agentes policiais foram criminalmente indiciados pelo caso, incluindo o comandante da unidade, e seis deles encontravam-se detidos e a aguardar julgamento no final de 2014.
O Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criado por lei em 2013, carecia ainda de plena implementação no final de 2014. Ainda que o sistema não se coadune totalmente com os padrões internacionais em termos da sua independência, representa um importante passo rumo ao cumprimento das obrigações do país face ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura, ratificado pelo Brasil em 2007.
IMPUNIDADE
A criação da Comissão Nacional da Verdade gerou um interesse público generalizado pelas violações dos direitos humanos cometidas durante a ditadura de 1964-1985. Esta situação levou à criação de mais de 100 Comissões da Verdade em estados, cidades, universidades e sindicatos. Estas desenvolveram investigações sobre casos como o desaparecimento forçado do antigo deputado Rubens Paiva, em 1971. Foram também evidenciadas algumas violações menos conhecidas contra povos indígenas e trabalhadores rurais, tais como os ataques militares aos índios Waimiri-Atroari (1968-1975), na Amazónia, e a tortura de camponeses durante o conflito com a Guerrilha do Araguaia (1967-1974).
A Comissão da Verdade publicou o seu relatório final a 10 de dezembro, recomendando que a Lei da Anistia de 1979 não deveria ser aplicada para impedir instauração de processos contra perpetradores de graves violações dos direitos humanos. O relatório recomendou também a realização de várias reformas no domínio da segurança pública, como seja a desmilitarização da polícia. Promotores públicos federais que tentam levar os perpetradores de tais crimes à justiça condenaram a Lei da Anistia por ser incompatível com os tratados internacionais de direitos humanos. Até ao momento, os juízes têm rejeitado essa argumentação. Todavia, no final do ano, foram apresentadas perante o Congresso três propostas de lei que sugeriam alterações às atuais interpretações da Lei da Anistia, de modo a que deixasse de ser aplicável a agentes estatais acusados de crimes contra a Humanidade.
DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS
O Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos continuou a enfrentar diversas dificuldades no cumprimento do seu mandato, incluindo escassez de recursos, insegurança judicial, falta de coordenação com agentes estatais e discussões acerca do âmbito do programa e daqueles que por ele deverão ser contemplados. As autoridades recusaram-se a incluir no programa uma trabalhadora do sexo conhecida por “Isabel”. Esta havia reportado uma denúncia de violência policial contra si e as suas colegas no decurso do desalojamento, em maio de 2014, do prédio onde viviam, em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Após reportar a denúncia, Isabel foi sequestrada e agredida por homens que lhe mostraram as fotografias do filho. Temendo pela sua segurança, abandonou a região, e permanecia escondida no final do ano.
Em abril de 2013, dois homens foram condenados pelos homicídios, em 2011, de José Cláudio Ribeiro e de Maria do Espírito Santo, líderes de trabalhadores rurais no estado do Pará que denunciaram o abate ilegal de árvores. Em agosto de 2014, foi ordenado um novo julgamento do fazendeiro acusado de ter ordenado as mortes; tinha sido absolvido de envolvimento no caso em 2013. Contudo, fugiu à detenção e permanecia em liberdade no final do ano. A irmã de Maria do Espírito Santo, Laísa Santo Sampaio, recebeu ameaças de morte devido ao seu trabalho no domínio dos direitos humanos e foi incluída no Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Ainda que tenha sido contemplada com alguma proteção, incluindo escolta policial, continuam a existir preocupações relativamente à sua segurança.
No estado do Rio de Janeiro, a incapacidade do Governo em garantir a segurança da Associação dos Homens e das Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR) levou ao seu encerramento. O presidente e a sua mulher têm estado impedidos de regressar a sua casa desde novembro de 2012, devido a ameaças às suas vidas. Outros pescadores da AHOMAR, como Maicon Alexandre, também receberam ameaças de morte.
CONFLITOS FUNDIÁRIOS E DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS
Os povos indígenas e as comunidades Quilombola (descendentes de antigos escravos) continuaram a enfrentar graves ameaças aos seus direitos humanos.
Em setembro de 2013, a comunidade Guarani-Kaiowá de Apika´y, no estado do Mato Grosso do Sul, ocupou uma plantação de cana-de-açúcar, que reclama como sua terra ancestral. Um tribunal local ordenou que a abandonassem, mas eles recusaram-se a fazê-lo. No final do ano, permaneciam nessa terra, ainda que correndo risco de desalojamento. Em 2007, o Governo federal assinou um acordo com o Ministério Público no sentido de demarcar as terras da comunidade até 2010, mas o processo nunca foi concluído.
No final do ano, o Congresso tinha em mãos um projeto-de-lei que, se aprovado, virá transferir as responsabilidades pela demarcação de terras do poder Executivo para o Legislativo, onde as pressões do negócio agrário se fazem sentir fortemente. Também a proposta de novo Código de Mineração coloca as comunidades tradicionais sob o risco de poderem ser exercidas nas suas terras atividades empresariais sem o seu consentimento, o que representa uma violação do direito internacional.
As comunidades Quilombola continuam a lutar pelo reconhecimento do seu direito à terra. A lentidão do processo de resolução das reivindicações de propriedade fundiária originou conflitos e colocou comunidades em risco de ameaças e de violência por parte de homens armados e de fazendeiros locais. A comunidade de São José de Bruno, no estado do Maranhão, viu-se diretamente ameaçada em outubro de 2014, quando um fazendeiro invadiu parte das suas terras.
Trinta e quarto pessoas foram mortas em resultado de conflitos de terras em 2013, três delas no estado do Maranhão. Entre janeiro e outubro de 2014, cinco pessoas foram mortas devido a conflitos de terras no estado. A impunidade por estes crimes continua a alimentar o ciclo da violência.
Os responsáveis pela morte do líder Quilombola Flaviano Pinto Neto, em outubro de 2010, não foram levados à justiça, não obstante uma investigação policial ter identificado quatro suspeitos.4
DIREITOS DE PESSOAS LÉSBICAS, GAY, BISSEXUAIS, TRANSSEXUAIS E INTERSEXUAIS
Em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma resolução que veio permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, na sequência de uma decisão de 2011 do Supremo Tribunal Federal. Contudo, continuaram a verificar-se frequentemente declarações homofóbicas por parte de líderes políticos e religiosos. Políticos conservadores vetaram tentativas do Governo Federal de distribuir nas escolas materiais de educação para os direitos humanos com vista a combater a discriminação motivada pela orientação sexual. Os crimes de ódio homofóbicos são frequentes. De acordo com a ONG Grupo Gay da Bahia, 312 pessoas foram mortas na sequência de crimes de ódio homofóbicos ou transfóbicos em 2013.
DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
Grupos religiosos continuaram a pressionar as autoridades com vista à criminalização do aborto em quaisquer circunstâncias — a lei brasileira permite o aborto em casos de violação, de ameaças à vida da mulher ou de anencefalia do feto. Esta limitada listagem de possibilidades tem levado muitas mulheres a recorrer a abortos clandestinos e inseguros. Em setembro de 2014, os casos de Jandira dos Santos Cruz e de Elisângela Barbosa provocaram contestação a nível nacional. As duas mulheres morreram na sequência de abortos clandestinos realizados em clínicas no Rio de Janeiro. O corpo de Jandira dos Santos Cruz foi ocultado da sua família e incinerado por funcionários da clínica.
COMÉRCIO DE ARMAS
O Brasil assinou o Tratado do Comércio de Armas a 4 de junho de 2013, no primeiro dia em que foi aberto a assinatura. Em finais de 2014, ainda não o havia ratificado. O Governo brasileiro não divulgou dados relativos a exportação de armas e rejeitou os pedidos de informação, ao abrigo da Lei de Acesso à Informação, de investigadores e de jornalistas relativos a pormenores sobre o envolvimento do país no comércio de armas, como, por exemplo, saber se foram exportadas armas para países onde são cometidas violações dos direitos humanos em grande escala.
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