terça-feira, 15 de outubro de 2013
Os desalojados do Haiti- quando serão ouvidos?
Justine teve sua vida destruída quando o terremoto de janeiro de 2010
atingiu o Haiti. Seus pais e vários de seus irmãos estavam entre os
mais de 200 mil mortos no desastre. Ela e seus três filhos estavam entre
os dois milhões de pessoas que ficaram sem casa. Ela também perdeu o
emprego, já que a f ábrica onde ela trabalhava desmoronou. Desde então,
ela vive em um acampamento improvisado chamado Gaston Magwon em
Carrefour, um bairro nos arredores de Port-au-Prince.
O cotidiano é duro para Justine. Ela tem três filhos, mas não tem
como manda-los para a escola, porque não tem emprego e nenhum parente
para sustenta-la. Todos os dias ela tem que lutar contra doenças, pois o
acampamento carece de banheiros, chuveiros e saneamento e foi
recentemente inundado por lixo trazido pelos alagamentos. Ainda por
cima, ela vive com medo de ser desalojada de novo, pois os donos da
terra onde fica o acampamento Gaston Magwon vêm ameaçando os moradores
com remoção. Esse já foi o destino de 150 famílias, em fevereiro.
Lamentavelmente, a história de Justine não é muito diferente da de
muitas outras que temos ouvido em visitas da Anistia Internacional
depois do terremoto no Haiti. As condições de vida nos acampamentos
tornaram-se cada vez mais desesperadoras depois que muitas ONGs
humanitárias foram embora e o governo parou de ajudar os moradores do
acampamento em 2011 por temer que isso os tornasse dependentes de ajuda.
As remoções forçadas de pessoas deslocadas internamente (IDPs) ocorrem
desde abril de 2010, tanto por parte dos proprietários de terras
privadas e como por parte das autoridades públicas, conforme documentado
pela Anistia Internacional no relatório Nowhere to go – Forced evictions from displacement camps in Haiti [Sem ter para onde ir – Remoções forçadas dos campos de desalojados no Haiti], publicado em abril deste ano.
A única diferença é que, felizmente, caiu o número de deslocados
internos. O número estimado inicial dos que vivem em campos de
deslocados j á foi reduzido de um milhão e meio de pessoas para cerca de
280.000. Centenas de milhares de pessoas foram realocadas através de um
programa de subsídios para aluguel que tem a duração de um ano. No
entanto, mais de 16 mil famílias foram removidas à força e 24 mil ainda
vivem sob risco de despejo.
Uma situação que surgiu durante esta visita que estamos prestes a
concluir, refere-se aos acampamentos e assentamentos informais
localizados em Canaã, um grande lote de terreno nos arredores de
Port-au-Prince, onde os IDPs de assentaram depois que foi declarado de
utilidade pública março 2010. Milhares de pessoas que moram lá estão
ameaçadas de remoção forçada, expostas à intimidação e perseguição por
parte dos que reivindicam o terreno. Há também uma total confusão sobre
quais partes do terreno são de utilidade pública - parece que no ano
passado foi emitido um segundo decreto governamental reduzindo o tamanho
das terras desapropriadas, mas a informação não foi divulgada.
Como resultado, centenas de famílias que vivem no setor de Lanmè
Frape de Canaã, por exemplo, queixaram-se de repetidos ataques de homens
armados e policiais que destroem periodicamente seus abrigos humildes
feitos de lona ou folhas de zinco. As últimas incursões ocorreram entre
31 de agosto e 4 de setembro, quando cerca de 400 abrigos foram
destruídos. Então, em 18 de setembro, os policiais e homens armados à
paisana teriam destruído os abrigos, que os moradores tinham
reconstruído, e levaram parte de seus materiais de construção. Fomos
testemunhas em primeira mão de que a maioria das famílias ficou agora
sem nenhum tipo de abrigo, ou são acolhidas por parentes que também
vivem em campos de refugiados improvisados.
Em resposta ao relatório da Anistia Internacional e outras pressões
da comunidade internacional, no final de abril deste ano o governo do
Haiti divulgou duas declarações condenando publicamente as remoções
forçadas e expressando seu compromisso de tomar as medidas adequadas
para impedir a intimidação sofrida pelos moradores do campo. Isso pode
incluir a realização de inquéritos sobre tais ações e processar
judicialmente os responsáveis.
Essas declarações são certamente muito bem-vindas. No entanto, para
os que vivem em Lanmè Frape, Gaston Magwon e outros campos sob risco de
sofrer remoções forçadas, não fizeram nenhuma diferença. Continuam sem
ver qualquer medida tomada para impedir os supostos proprietários dos
terrenos de espalhar o pânico e de destruir os abrigos e os seus meios
de subsistência. Ao contrário, os moradores de Lanmè Frape continuar a
ver os policiais tomando partido dos supostos proprietários em
atividades que contrariam a lei haitiana e as normas internacionais de
direitos humanos.
É por isso que para os deslocados de Port-au-Prince não há outra maneira de comemorar o World Habitat Day
[Dia Mundial da Habitação] senão com uma passeata por toda a capital
para pedir que se respeitem seus direitos de moradia. “Nou mand é bon
jan kay pou tout moun” (Exigimos moradia decente para todos) foi o
principal apelo das centenas de deslocados internos e ativistas que
marchavam no dia 7 de outubro do centro de Port-au-Prince até o Gabinete
do Primeiro- Ministro. Uma vez lá, uma delega ção de deslocados
entregou um manifesto lembrando os recentes casos de remoção forçada e
exigindo ações concretas para respeitar, proteger e efetivar o direito a
uma moradia adequada.
A manifestação do dia sete foi a primeira que assistimos, mas não
foi, certamente, a primeiro de seu tipo. Há meses, os deslocados
internos foram se mobilizando para exigir seus direitos. Até quando
devem clamar até que sejam ouvidos?